Quando a
solidão castiga, as lembranças ressurgem e o pensamento aflige e devasta a
pacífica serenidade que existe no meu ser, os olhos se dissimulam detrás das
pálpebras e lacrimejam orvalhos de manifestações de sentimentos melancólicos,
no peito os vulcões remoinham incandescentes aquecendo as ondas do desejo que
me vem importunar, o coração pulsa forte implorando, exaltado para desprender
de uma ofegante agonia e o sangue corre nas veias incendiando meu corpo em
chamas.
Ouço gritos, uivos desvairados, é loucura, perturbação, delírios. Não
suporto essa obsessão e divago pelas trilhas das minhas mágoas, pelos campos da
repercussão e me descubro enclausurado nas colinas das lembranças de um beijo
impetuoso e contagiante que propaga uma imensidão de calor dilatando a matéria
e apagando a minha alma. Num instante, a magia transmite minha ilusão para uma
suposta realidade mitológica e eu vejo-me loucamente debruçado no espírito
daquela deusa afrodisíaca que me suga e obstai nas entranhas dos vales do
padecer.
Debruçado, sou conduzido numa viagem alucinante repleta de mistérios e
holocaustos, onde o preceito não permite o retorno daquele que embarca e
prende-se na alma de um ser endeusado. Sou pregado na cruz do delírio e levado
arrastado para o gólgota da aflição e antes da execução as trombetas tocam
nênias anunciando o meu padecer. Penso que realmente chegou a minha hora,
imagino que a vida teve fim! Logo, as pálpebras se movimentam, meus olhos
reaparecem, o coração pulsa ritmicamente, o sangue corre pacificamente nas
minhas vias, os vulcões dormem, o meu corpo liberta-se das chamas e
vagarosamente, frágil, sem forças, percebo-me num leito molhado de lágrimas,
num ambiente cinzento, pálido, triste, mas real.
Só então, vejo que tudo isso é
loucura, pensamentos impiedosos, melancolia, delírios, lembranças de um beijo
ardente e inesquecível daquela deusa que nunca mais a vi e, tento me desprender
das lembranças, mas estou num cativeiro, sou prisioneiro por me contristar.
Gilson Vasco
Escritor