Já no início deste ano... Corrijo, no início não porque no
início, acontecem as festas carnavalescas e o povo brasileiro está ocupado com
os festejos e em Wanderley não poderia ser diferente. Melhor dizer assim:
Prestes a terminar o primeiro bimestre do ano em curso o mágico pedaço de chão
assistiu à primeira sessão legislativa do ano. Bravo! Bravo!! Bravíssimo!!!
– Estamos de parabéns, está completando um ano, eu disse um
ano, não é um dia nem um mês, minha gente. Faz um ano que o nosso município não
é acometido por qualquer homicídio! Tudo isso é graças aos nossos policiais que
atuam veementemente em nossa comunidade.
– Não, não, não, não, não, não, não mesmo. O fato de não
ter acontecido homicídios há mais de um ano não é devido ao trabalho de agentes
militares não, pois eles são muito pouco aqui. O motivo deve ser atribuído ao
fato de a população wanderleense ser uma família!
– Concordo. Certa vez precisei dos préstimos dos agentes e
não fui atendido, onde já se viu uma autoridade parlamentar não ser servida
pelo Estado?! Que horror! Onde estamos? Para onde vamos?
Se o ditado popular de que “em terra de cego quem enxerga é
rei” estiver correto (lembrando que a sociedade defende que a sabedoria popular
nunca erra), estaria faltando o rei na terra do milho e do boi?
Não. Meus conterrâneos enxergam muito bem e, caso tenha
algum cidadão especial, no sentido visual, não tenho dúvida, este enxerga ainda
melhor, enxerga com os olhos do coração. No mágico pedaço de chão não está
faltando rei, pelo contrário, eles estão sobrando. Reis que se digladiam entre
si na busca pelo poder majoritário. Reis que depois de ganhar o voto do súdito
o ignora até a próxima eleição. Reis que nos seus “ofícios” buscam mais o
poderio através de um merchandising barato do que a melhor qualidade de vida
para os seus vassalos.
Pensamentos aparvalhados, ideias embasbacadas, falas
pacóvias de certos parlamentares estão longe de convencer a sociedade. Meus
conterrâneos estão fartos desses discursos de um merchandising barato e
promessas mirabolantes que não chegam a lugar nenhum.
Sejamos justos, querer vibrar, enaltecer, vangloriar e
comemorar um ano sem homicídio num município é, polifonicamente, dizer que a
cidade é tão violenta que um ano sem nenhum homicídio é motivo de comemoração.
É uma omissão à morte do garotinho wanderleense que tão jovem morreu de
overdose de drogas. O que seria isso senão um homicídio social wanderleense?!
Que horror! Onde estamos? Para onde vamos? (Agora sim os termos supracitados
foram empregados corretamente).
Indivíduos ainda reclamaram da oportuna fala do médico que
atendeu a criança em outra cidade, já que o mágico pedaço de chão continua
vivendo a idade dos primórdios científicos, na tangente da medicina (e noutro
monte de tangentes também).
Sejamos mais justos ainda, atribuir o motivo de não ter
acontecido homicídio durante todo um ano ao fato de a população wanderleense
ser uma família aí já é fazer da seriedade uma tremenda brincadeira de mau
gosto! Não é?
Convite: Vamos fazer um pequeno histórico dos casos em que
nossos irmãos atentaram contra o outro e resultou em morte? (Agora eu dei uma
pequena vacilada, não foi?). Foi de propósito. Há muito eu sei que a grande
maioria dos meus conterrâneos é atenta e possuem uma memória perfeita, ao ponto
de não precisarmos citar os inúmeros homicídios ocorridos nessa família da
terra do milho e do boi. Mas, para muitas autoridades, até que elas não sejam
atingidas, tudo certo, “essas briguinhas acontecem mesmo até nas melhores
famílias”. Não viu dias depois da comemoração de “um ano sem homicídios” um
irmão esfaquear o outro, arrancando-lhe a vida, em plena rua do mágico pedaço
de chão?
Então quer dizer que a única fala inteligente foi a
terceira? Aquela que, apesar de denunciar o despreparo do Estado para com a
segurança, concordou com a segunda? Sejamos francos!
– Encerra-se neste momento a primeira sessão legislativa
deste município.
Gilson Vasco
Escritor