Bem-vindo (a)

Para quem acredita na existência de Deus, há sempre uma luz radiante, ainda que a vida pareça mergulhada em profunda escuridão. Chega um momento que precisamos nos libertar dos grilhões, das amarras e correntes que nos enclausuram num pequeno mundo, sairmos da nossa caverna e irmos de encontro à luz.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Minha primeira briga


Desde pequeno já ouviam as pessoas dizerem que há a primeira vez para tudo. Quando se é pequenino não se tem muita noção do mundo que nos cerca. Mesmo assim, não demorou tanto tempo para a compreensão, afinal, os dias passam muito velozes. Fui aos poucos crescendo... De repente, sem ao menos que alguém percebesse, me vi indo sozinho à escola, cortando os cabelos e, em seguida, fazenda a barba! E o legal disso tudo é que tudo aquilo estava acontecendo comigo pela primeira vez. Até hoje ainda me lembro da primeira vez que briguei. Claro, existem aquelas discussões banais que se resolvem com pouco diálogo. Essas acontecem frequentemente na vida de qualquer um. Mas eu estou falando de socos e pontapés. Era uma tarde estressante, lá pelas quatro horas. Saí de casa em direção a uma caixa de coleta dos correios que ficava numa avenida longa e movimentada para colocar umas cartas. Fui rápido, muito rápido mesmo, pois o carteiro já estava quase passando e eu queria que minhas correspondências viajassem ainda àquele dia. Então, antes de chegar à avenida, quando estava numa rua estreita, avistei umas pessoas sentadas numas cadeiras de balanço, em frente a uma casa, cujos portões estavam escancarados. De repente, um dos moradores daquela residência saiu para a rua a toda velocidade e pulou em mim! Assustado e sem saber o que realmente estava acontecendo, tirei meu corpo de banda, com a intenção involuntária de deslocar o suposto inimigo, o que de fato aconteceu. Mas, em seguida, quando olhei para trás vi ele pronto para atacar, só então percebi que o negócio era para valer, e, que se eu não batesse, apanharia. Aquela velha expressão da minha mãe de que “quando um não quer dois não brigam” caiu por terra. Foi aí que preparei: fechei a minha mão direita, quando ele novamente avançou em mim, dei lhe uma paulada, minha mão, ajudada pela raiva, pegou de cheio em cima da sua orelha que o derrubou! Logo, ele se levantou, e, outra vez, veio em minha direção... Nisso, seu superior tentava lhe conter, mas não sei porque ele insistia em me pegar... Fiquei trêmulo de medo e fui levado pelo impulso a nocauteá-lo. As mulheres que estavam sentadas gritavam sem nada poder fazer. Creio que elas chegaram a apanhar algumas vassouras para me defender ou para me surrar, mas ainda não sei. Tudo aconteceu muito rápido. Dei outro soco na cabeça dele, o suficiente para a sua decisão. Ele se levantou, olhou para meus olhos brilhosos como os dele e saiu... 

Minhas roupas ficaram imundas, mesmo assim segui para a avenida e coloquei as cartas na caixa de coleta dos correios. Por sorte o carteiro ainda não havia passado naquele dia. De volta, encontrei um dos moradores daquela estância, que sorria com disfarce e me perguntou se eu havia sido ferido. Sem nenhuma graça falei à verdade: Não! Chegado em casa contei o fato para a minha família que de início não quis acreditar, até eu que havia sofrido a ação ainda não tinha acreditado, tampouco entendi direito o que foi aquilo, parece ter sido sonho, mas os vestígios em meus vestuários, semblante e no corpo mostravam a verdade. 

Hoje, porém, fico imaginando que eu, talvez, não precisasse ter surrado aquele grandalhão. Mas ele foi treinado para isso. Era um segurança da casa. Quem sabe se eu não lhe tivesse vencido, não estaria aqui contando esse acontecimento. Poderia ter morrido! Mas o que me deixa perplexo mesmo é de saber que a minha primeira briga, e, espero que também seja a última, tenha sido com um cão! 

Gilson Vasco 
Escritor


Ditadura nunca mais! Agora temos um reino encantado!


Iniciada por volta da década de trinta, a ditadura de Vargas durou oito longos anos. Durante esse período ninguém podia criticar o governo, as greves foram proibidas, os sindicatos controlados pelo Estado, a imprensa foi censurada de tal modo que cada redação de jornal tinha um sensor para julgar o que podia ou não ser publicado, o rádio passou a ser utilizado basicamente para a divulgação dos projetos do governo ditatorial. Nesse período, o Brasil participou da Segunda Guerra Mundial, ao lado dos Estados Unidos da América e outras nações aliadas. O país vivia uma situação contraditória, pois lutava pela democracia no exterior, combatendo o fascismo, mas vivia sob um regime ditatorial.

Oito anos mais tarde, com a destituição de Vargas, nascia no povo brasileiro um fio de esperança de um futuro mais livre, porém, dezenove anos mais tarde o Brasil sofreria uma maldição pior do que aquela do governo Vargas, ou seja, o regime anterior foi apenas um ensaio para a instauração de uma mancha que parecia não ter fim: a Ditadura Militar, pior do que qualquer outro regime visto ou vivido anteriormente no Brasil. 

Mas entre os anos de 1964 e 1985, período em que o Brasil foi governado pelos militares, fomos vítimas de uma verdadeira falta de democracia, de uma grande supressão dos nossos direitos constitucionais, da censura e da perseguição política. O mundo passava pelo período da Guerra-Fria – conflito ideológico, político e econômico travado entre os Estados Unidos da América, defensores do capitalismo e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, defensora de uma forma de socialismo – e os Estados Unidos da América temiam que o Brasil se voltasse para o lado comunista.

Com isso, caso um governo socialista fosse implantado em algum país, o governo norte-americano o tinha como uma ameaça a seus interesses. Por outro lado, se eventualmente um movimento popular tentasse combater uma ditadura militar apoiada pelos Estados Unidos da América, imediatamente receberia apoio soviético.

Daí em diante, o artigo 59 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que reza que ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante, anteriormente assinada pelo Brasil foi ignorado durante vinte anos pelas autoridades brasileiras. Criou-se dezenas de formas diferentes de tortura, mediante agressão física, pressão psicológica e utilização dos mais variados instrumentos, aplicados aos presos políticos brasileiros, jornalistas e a todos aqueles que, para o Estado, conspiravam contra o golpe.

Com o término da ameaça comunista na América Latina, os norte-americanos sugeriram aos militares golpistas a entregarem o poder aos civis. Ora, como poderia uma nação já domesticada a adquirir os produtos do Tio Sam continuar sob uma tortura infernal?! Era feio aos olhos do mundo. O povo tem mais é que ser livre para comprar, consumir o que quiser à sua maneira, e não ficar alienados a um gosto comum. Elegante é ser diferente.

– People of Brazil, make this country a country of kings and queens!

– Viva! Viva! Mil vezes viva! Agora somos livres!

– Puxa... Logo agora que temos liberdade, não temos muito o que fazer...

            Não importa o que faça, desde que continue consumindo os mais diversificados produtos do Tio Sam, afinal, agora o povo brasileiro é livre e pode jogar futebol, cantar e dançar! Brevemente terá um reino encantado. 

Não demorou, logo, a terra que antes fora dos lusitanos transformou-se num verdadeiro paraíso, digo, num majestoso reino encantado, onde todos passaram a gozar de iguais direitos. É verdade que ainda existia um pouquinho de vestígio do preconceito racial, mas isso nada demoraria a se apagar completamente. Ora, onde já se viu admitir preconceitos ou divisão de classes num País livre?!

Para aniquilar de uma vez por todas com esse tal preconceito pensou-se em criar um rei, mas não poderia ser um rei qualquer, devia ser um rei reverenciado por todos e que fizesse nascer em cada um daqueles que sobrou da ditadura, bem como em sua safra, um enorme desejo de não ficar parado olhando para trás. 

– Copa do Mundo?! Na televisão?!

Ajudado pela televisão, criou-se então não somente um rei para fazer a alegria do povo livre e transformar esse solo brasileiro num território de peladas. Extinguiu-se a fome de tal maneira que matou-se dois coelhos com uma paulada só. Criou-se um rei atleta, jogador e, melhor ainda, por ser meio escurinho, o resquício de preconceito racial que teimava em não se apagar, foi-se extinguido da Nação para sempre. Não é de vibrar, dando um soco no ar, comemorando a alegria? Com isso, todos passaram a se preparar para mais uma disputa futebolística mundial. Quem sabe até mesmo o povo brasileiro novamente seria campeão.

– Não é bom que o homem fique só.

Para aguçar o ânimo dos nossos pequeninos, considerados o futuro do País, quando devia ser o presente, criou-se a rainha dos baixinhos, a qual sempre os amou de tal modo que chega a sofrer quando eventualmente se encontra com um menor abandonado, coisa muito rara nesse chão brasileiro. No ato do casamento entre o rei e a rainha, alegremente o povo cantava e dançava. A coreografia era inovadora: dava um pulo e ia para frente, e como se fosse um peixinho nas águas límpidas dos rios brasileiros voltava para trás e ainda convidada quem estava fora para entrar na dança: quem quiser dançar com a gente, está na hora, venha, não demore mais. E não é que, aos poucos, o povo ia dando o seu alô?!

Nessa genialidade de transformar o Brasil em reino encantado, onde a felicidade e a igualdade foram construídas para todos, cada dia nascia um novo rei. Criou-se também até o rei da música. Bicho, francamente, não são tantas emoções?

Passaram-se pouquíssimos anos, pouco mais de vinte e cinco, para ser mais preciso, e hoje, somos uma só raça, uma só classe, um povo de direitos e deveres iguais! De alta-estima elevada. Bem pudera, ganhamos respeito. Até a polícia, antes ditatorial, nos trata de modo educado nas abordagens! Para que ainda se lembrar da Ditadura se agora o reino encantado é o País do Futebol e do Carnaval, coisas que não matam, não engordam e nem faz mal?

Gilson Vasco
Escritor