Iniciada
por volta da década de trinta, a ditadura de Vargas durou oito longos anos.
Durante esse período ninguém podia criticar o governo, as greves foram
proibidas, os sindicatos controlados pelo Estado, a imprensa foi censurada de
tal modo que cada redação de jornal tinha um sensor para julgar o que podia ou
não ser publicado, o rádio passou a ser utilizado basicamente para a divulgação
dos projetos do governo ditatorial. Nesse período, o Brasil participou da
Segunda Guerra Mundial, ao lado dos Estados Unidos da América e outras nações
aliadas. O país vivia uma situação contraditória, pois lutava pela democracia
no exterior, combatendo o fascismo, mas vivia sob um regime ditatorial.
Oito
anos mais tarde, com a destituição de Vargas, nascia no povo brasileiro um fio
de esperança de um futuro mais livre, porém, dezenove anos mais tarde o Brasil
sofreria uma maldição pior do que aquela do governo Vargas, ou seja, o regime
anterior foi apenas um ensaio para a instauração de uma mancha que parecia não
ter fim: a Ditadura Militar, pior do que qualquer outro regime visto ou vivido
anteriormente no Brasil.
Mas
entre os anos de 1964 e 1985, período em que o Brasil foi governado pelos
militares, fomos vítimas de uma verdadeira falta de democracia, de uma grande
supressão dos nossos direitos constitucionais, da censura e da perseguição
política. O mundo passava pelo período da Guerra-Fria – conflito ideológico,
político e econômico travado entre os Estados Unidos da América, defensores do
capitalismo e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, defensora de uma
forma de socialismo – e os Estados Unidos da América temiam que o Brasil se
voltasse para o lado comunista.
Com
isso, caso um governo socialista fosse implantado em algum país, o governo
norte-americano o tinha como uma ameaça a seus interesses. Por outro lado, se
eventualmente um movimento popular tentasse combater uma ditadura militar
apoiada pelos Estados Unidos da América, imediatamente receberia apoio
soviético.
Daí em
diante, o artigo 59 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que reza que
ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano
ou degradante, anteriormente assinada pelo Brasil foi ignorado durante vinte
anos pelas autoridades brasileiras. Criou-se dezenas de formas diferentes de
tortura, mediante agressão física, pressão psicológica e utilização dos mais
variados instrumentos, aplicados aos presos políticos brasileiros, jornalistas
e a todos aqueles que, para o Estado, conspiravam contra o golpe.
Com o
término da ameaça comunista na América Latina, os norte-americanos sugeriram
aos militares golpistas a entregarem o poder aos civis. Ora, como poderia uma
nação já domesticada a adquirir os produtos do Tio Sam continuar sob uma
tortura infernal?! Era feio aos olhos do mundo. O povo tem mais é que ser livre
para comprar, consumir o que quiser à sua maneira, e não ficar alienados a um
gosto comum. Elegante é ser diferente.
– People of Brazil, make this country a country
of kings and queens!
– Viva! Viva! Mil vezes viva! Agora somos livres!
–
Puxa... Logo agora que temos liberdade, não temos muito o que fazer...
Não importa o que faça, desde que continue
consumindo os mais diversificados produtos do Tio Sam, afinal, agora o povo
brasileiro é livre e pode jogar futebol, cantar e dançar! Brevemente terá um
reino encantado.
Não
demorou, logo, a terra que antes fora dos lusitanos transformou-se num
verdadeiro paraíso, digo, num majestoso reino encantado, onde todos passaram a
gozar de iguais direitos. É verdade que ainda existia um pouquinho de vestígio
do preconceito racial, mas isso nada demoraria a se apagar completamente. Ora,
onde já se viu admitir preconceitos ou divisão de classes num País livre?!
Para
aniquilar de uma vez por todas com esse tal preconceito pensou-se em criar um
rei, mas não poderia ser um rei qualquer, devia ser um rei reverenciado por
todos e que fizesse nascer em cada um daqueles que sobrou da ditadura, bem como
em sua safra, um enorme desejo de não ficar parado olhando para trás.
– Copa
do Mundo?! Na televisão?!
Ajudado
pela televisão, criou-se então não somente um rei para fazer a alegria do povo
livre e transformar esse solo brasileiro num território de peladas.
Extinguiu-se a fome de tal maneira que matou-se dois coelhos com uma paulada
só. Criou-se um rei atleta, jogador e, melhor ainda, por ser meio escurinho, o
resquício de preconceito racial que teimava em não se apagar, foi-se extinguido
da Nação para sempre. Não é de vibrar, dando um soco no ar, comemorando a alegria?
Com isso, todos passaram a se preparar para mais uma disputa futebolística
mundial. Quem sabe até mesmo o povo brasileiro novamente seria campeão.
– Não é
bom que o homem fique só.
Para
aguçar o ânimo dos nossos pequeninos, considerados o futuro do País, quando
devia ser o presente, criou-se a rainha dos baixinhos, a qual sempre os amou de
tal modo que chega a sofrer quando eventualmente se encontra com um menor
abandonado, coisa muito rara nesse chão brasileiro. No ato do casamento entre o
rei e a rainha, alegremente o povo cantava e dançava. A coreografia era
inovadora: dava um pulo e ia para frente, e como se fosse um peixinho nas águas
límpidas dos rios brasileiros voltava para trás e ainda convidada quem estava
fora para entrar na dança: quem quiser dançar com a gente, está na hora, venha,
não demore mais. E não é que, aos poucos, o povo ia dando o seu alô?!
Nessa
genialidade de transformar o Brasil em reino encantado, onde a felicidade e a
igualdade foram construídas para todos, cada dia nascia um novo rei. Criou-se
também até o rei da música. Bicho, francamente, não são tantas emoções?
Passaram-se
pouquíssimos anos, pouco mais de vinte e cinco, para ser mais preciso, e hoje,
somos uma só raça, uma só classe, um povo de direitos e deveres iguais! De
alta-estima elevada. Bem pudera, ganhamos respeito. Até a polícia, antes
ditatorial, nos trata de modo educado nas abordagens! Para que ainda se lembrar
da Ditadura se agora o reino encantado é o País do Futebol e do Carnaval,
coisas que não matam, não engordam e nem faz mal?
Gilson Vasco
Escritor
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