Bem-vindo (a)

Para quem acredita na existência de Deus, há sempre uma luz radiante, ainda que a vida pareça mergulhada em profunda escuridão. Chega um momento que precisamos nos libertar dos grilhões, das amarras e correntes que nos enclausuram num pequeno mundo, sairmos da nossa caverna e irmos de encontro à luz.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Goiás, Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade



Depois de grande mobilização popular, sob coordenação do Movimento Pró-Cidade de Goiás – Patrimônio da Humanidade, evento que reuniu entidades da cidade de Goiás, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Iphan e os governos municipal e estadual, no dia 13 de dezembro de 2001, há exatos dez anos, a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, a Unesco, referendou Goiás, cidade histórica e turística que, por mais de duzentos anos, carregou consigo a função de capital do Estado, com o título de Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade.

E o que é Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade? Bem, considera-se a existência de duas formas de patrimônios históricos, sendo uma cultural e a outra natural. O patrimônio histórico cultural reúne, por exemplo, centros históricos, monumentos, santuários e ruínas; já o patrimônio histórico natural são, por exemplo, áreas de conservação e parques nacionais. Mas como o principal tema deste artigo está focado exclusivamente para a cidade de Goiás, que no próximo dia 13 de dezembro, comemorará uma década de tombamento conferiremos, a partir de agora, quais os requisitos que uma cidade precisa ter para ser tombada como patrimônio da humanidade.

Para ser considerado legalmente como patrimônio da humanidade um centro urbano precisa ter importância mundial. Assim sendo, sua conservação e preservação devem ter interesse internacional. Uma vez uma cidade sendo tombada como Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade ela ganha mais atenção, ajuda e recursos para a sua manutenção e conservação, haja vista que muito mais difícil do que receber o título é conservá-la. Desse modo, é garantida à Unesco, entidade da Organização das Nações Unidas, a ONU, que cuida de Educação, Ciência e Cultura a tomada de decisão do tombamento de um dado lugar ou monumento. Porém, para se candidatar, o lugar precisa primeiro ser indicado por algum órgão nacional que no caso do Brasil, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, o Ibama, inscreve as áreas naturais, e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Iphan, responde pelas áreas culturais.

Vila Boa, Goiás, Cidade de Goiás ou Goiás Velho, não recebeu o título de Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade simplesmente pelo fato de ter sido a capital deste Estado por mais de duzentos anos, a cidade bela de arquitetura barroca peculiar, de tradições culturais seculares, circundada por natureza exuberante, de becos e casarões causadores de inspirações, berço dos versos da poesia de Cora Coralina; cidade guardiã do rio Vermelho, invasor dos quintais das velhas casas é uma cidade que há muito vinha fazendo por onde merecer essa honraria.

Um recorte histórico

Com as constantes investiduras dos bandeirantes, vindos principalmente das regiões paulistas, em territórios goianos, com a intenção da descoberta e, posterior, apropriação das minas de ouro, o que tempos depois ocasionou na extinção dos índios, Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhanguera, um dos mais importantes bandeirantes a desbravar o interior do Brasil, durante o período colonial fundou em 1727, o Arraial de Sant’Anna que, pouco mais de uma década depois, foi elevado à condição de vila administrativa, com o nome de Vila Boa de Goyaz. Por esses idos, Vila Boa ainda pertencia à Capitania de São Paulo e somente mais de uma década depois, precisamente em 1748, foi criada a Capitania de Goiás, tendo como primeiro governador, dom Marcos de Noronha, o Conde dos Arcos, que chegou ali por volta de 1753.

Com o Conde dos Arcos, logo, a vila transformou-se em capital da comarca. Nos anos de 1950, o governador, dom Marcos de Noronha construiu a Casa de Fundição e em 1751, edificou o Palácio Conde dos Arcos, como forma de autovangloriação.

Décadas depois, lá pelos idos de 1780, o então governador Luís da Cunha Meneses, criou importantes marcos, como a arborização da vila, o alinhamento de ruas e estabeleceu o primeiro plano de ordenamento urbano, que delineou a estrutura mantida até hoje.

No fim do século XVIII, com o estágio do esgotamento do ouro, a população de Vila Boa sofreu grande redução, de forma que foi necessária uma mudança de postura na tangente das atividades econômicas, isto é, do ouro para a agropecuária. O que nem por isso impediu a comunidade de Vila Boa de continuar vivendo cultural e socialmente em sintonia com os costumes cariocas, então capital do Império.

Do fim do século XVIII, até o início do século XX, as principais manifestações se caracterizaram pela arte e cultura. Foi nessa época que culminou os sarais, jograis, artes plásticas, literatura, artes culinária e cerâmica, além da Procissão do Fogaréu, realizada na Semana Santa.

Nos anos de 1930, aquilo que há muito já vinha sendo arquitetado pelos políticos, nos bastidores goianos, que era a transferência da capital estadual para Goiânia, coordenada pelo então interventor do Estado, Pedro Ludovico Teixeira.

Contudo, a partir de 1983, como forma de homenagear a antiga Vila Boa, uma vez por ano, durante um dia a Cidade de Goiás é reconhecida oficialmente como a capital do Estado, em cumprimento ao decreto do então governador Mauro Borges.

 Gilson Vasco









quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Paz, a gente que faz


Motivado pelo crescente índice de criminalidade que vem atingindo a capital goiana e seu entorno, o Estado, instituição portadora da obrigatoriedade de garantir a segurança plena aos cidadãos tenta diminuir a criminalidade, lançando um novo plano de combate aos homicídios, a ser executado pela Policia Civil. A ideia é plausível e acentua como prova de que o governo se coloca numa aparente posição de preocupação em relação ao crescimento da violência em nossa cidade e em nosso Estado. A erudição do delegado da Policia Civil, ao relatar que para combater o homicídio antes será preciso coibir outros crimes que possivelmente levariam aos homicídios, nos deixa convencidos que é preciso, portanto investigar as origens desse mal para se obter sucesso no ato da execução do novo plano.

Essa explosão de crimes, essa gigantesca e lamentável ocorrência violenta que assusta, isola e intimida a sociedade brasileira pode ser vista no dia a dia, nas manchetes dos jornais e a olho nu. As pesquisas também vêm demonstrando crescentes casos de criminalidades em território goiano. Mas o aumento da violência não é uma característica goiana, ele tem atingido todo o nosso país e o mundo inteiro. Não é um mal que surgiu agora, afinal, não é de hoje que existe a violência, seus primeiros procedentes datam de períodos seculares. De acordo com dados bíblicos ela surgiu quando Caim matou seu irmão Abel e daí em diante só tem aumentado e, o que é pior, com um enorme estouro constrangedor de casos cada vez mais absurdos e inaceitáveis.

Cientificamente falando a violência surge no ato sexual, isto é, desde o princípio, uma vez que para estar vivo é preciso deixar milhões de irmãozinhos (espermatozoides) mortos no caminho, no ato da concepção, pois se assim não fosse não estaríamos vivos, selecionados entre milhões como o melhor e mais preparado (se é que existe preparo) para enfrentar esta vida. O que nem por isso nos tornam violentos. Mas na conquista de espaço, no fazer respeitar, a violência se opõe à diplomacia e com isso, o indivíduo que consegue controlar seus impulsos são cidadãos pacificadores, do contrário são violentos e através da repressão, seja no seio familiar, nas ruas ou em qualquer lugar são punidos violentamente, severamente.

Claro que planos com intuito de reduzir os índices de criminalidade devem ser pensados, propagados e executados, mas o que devia ser prática ou pelo menos estar em pauta era a discussão de políticas educacionais voltadas à qualificação e preparação dos indivíduos para a vida em sociedade, não se discute sequer o papel da sociedade perante a formação das crianças. Muitos filósofos, dentre eles Aristóteles já nos atiçavam para uma consciência de como conduzir nossas crianças para que futuramente estas se tornem homens de bem, mas o que estamos fazendo é tudo ao contrário: enquanto a família, base que devia contribuir com a formação consciente dos indivíduos, submete a criança e adolescente a uma espécie de violência psicológica e física a sociedade os provoca a ser o que são. Estigmatizados descobrem nas drogas e, posteriormente, na violência uma suposta solução para seus conflitos, rancores e penares.

A própria mídia, veículo capaz de informar e formar opiniões parece ignorar uma realidade desestruturadora da sociedade por aproveitar do momento desolador e esquece a razão, ou seja, está mais preocupado com a audiência em divulgar fatos trágicos do que contribuir para a redução do extermínio infantil, juvenil e adulto.

Lamentavelmente, o Estado investe muito em cadeias e parece ignorar o fato de que um país que investe mais em educação constrói escolas e derruba presídios, resultando na formação de uma sociedade mais consciente e menos violenta.

Verdade que uma polícia melhor equipada e um Poder Judiciário mais ágil e, se necessário, mais rigoroso contribui muito para a redução da criminalidade. Uma instituição de ensino precisa ter um espaço privilegiado de convívio e de formação da pessoa, precisa ter qualidade e se integrar à comunidade a sua volta. Ora, já observamos que as escolas que permanecem abertas nos finais de semana, para uso da comunidade, conseguem quase eliminar o vandalismo em suas dependências.

Temos que começar a pensar o modelo de sociedade que queremos para nós e para as gerações futuras, e queremos uma sociedade justa onde nossas crianças serão educadas no seio familiar, pois se continuar dessa forma, a violência vai aumentar cada vez mais. Cada dia que se passa o cenário vai ficar ainda mais caótico, a vida será sempre um risco e, viver ou morrer, vai depender mais da sorte do que da segurança que o Estado diz oferecer. Deve ser no seio familiar, na igreja e na escola a preparação para nossas crianças de hoje se tornarem verdadeiros adultos amanhã.

Contudo, compete a cada um de nós contribuirmos com a redução da violência e podemos dar essa contribuição, seja cobrando soluções do Poder Público, seja nos organizando em redes comunitárias de proteção e apoio, de desenvolvimento social e mesmo de questões de segurança pública. Obviamente que não se trata de querer substituir as funções do Estado, mas trabalhar em conjunto. Precisamos sim, urgentemente, começar a destruir o mal pela raiz para que nunca mais ele venha a brotar, pois do mesmo modo que geramos a violência, paz a gente que faz.

Gilson Vasco
Escritor










segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Dia Nacional da Consciência Negra


Fim do preconceito racial?

 A lei brasileira de número 10.639, de 9 de janeiro de 2003, estabeleceu que, a partir daquele ano, o dia 20 de novembro passasse a ser uma data para celebrar o Dia Nacional da Consciência Negra, uma vez que foi neste dia, no ano de 1695, que Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares, depois de lutar pela cultura e pela liberdade, morreu em combate, defendendo seu povo e sua comunidade. Mas o Dia da Consciência Negra já vinha sendo celebrado desde a década de 1960, embora só tenha ampliado seus eventos nos últimos anos. O Dia da Consciência Negra é uma data para se lembrar a resistência do negro à escravidão de forma geral, desde a vinda dos primeiros africanos para o Brasil, em 1594, e é também dedicado à reflexão sobre a inserção do negro na sociedade brasileira.

Geralmente, na semana em que se comemora o Dia Nacional da Consciência Negra, entidades como o Movimento Negro, o maior do gênero no país, organizam manifestações, palestras e eventos educativos, tendo como principal alvo, as crianças negras, com intuito de evitar o desenvolvimento da inferiorização perante a sociedade. Temas como inserção do negro no mercado de trabalho, cotas universitárias, se há discriminação por parte da polícia, identificação de etnias, moda e beleza negra, etc. também são colocados em pauta e debatidos pela comunidade negra.

Não há dúvida de que a criação desta data foi muito importante, pois, além de servir como um momento de conscientização sobre a importância da cultura e do povo africano na formação da cultura nacional serve para a reflexão sobre a colaboração dos negros africanos, durante nossa história, nos aspectos políticos, sociais, gastronômicos e religiosos de nosso país.

A homenagem a Zumbi também foi mais do que justa, pois este personagem histórico representa a batalha de todos os negros que fizeram a história através de lutas pela justiça social e pelo fim do preconceito racial contra a escravidão, no período do Brasil Colonial.

Embora, desde o início, os negros sempre resistiram e lutaram contra a opressão e injustiças, oficialmente, a escravidão só teve fim em 1888. Mas nem com a oficialização do fim da escravatura, os negros ficaram livres do preconceito dos brancos, perante a sua raça. De modo que até os dias de hoje muitos negros ainda sofrem várias formas de preconceito, inclusive o preconceito racial. Alguém conhece um super-herói negro dessas histórias infantis que fascinam as crianças? Se existir é muito novo ainda, pois o que se sabe é que há uma propagação dos personagens históricos de cor branca, mas a verdade é que a história do Brasil não foi construída somente pelos europeus e seus descendentes, porém a valorização foi dada aos imperadores, navegadores, bandeirantes, líderes militares entre outros. Zumbi dos Palmares é o nosso primeiro herói nacional negro.

Em todo o mundo, homens como Luther King, Nelson Mandela, Albert Luthuli, José do Patrocínio e tantos outros já disseram que, a cor não é ou pelo menos não devia ser, um estorvo para a convivência igualitária entre os homens. Realmente, a união, a paz e respeito mútuo são o que devem prevalecer entre os homens, independente da classe social e da origem racial, ainda mais no nosso país, onde a miscigenação é a marca do nosso povo. Precisamos intensificar a luta pela inserção do negro na sociedade brasileira.

Como se não bastasse o olhar desconfiado de parte da polícia, do branco e de outras organizações para o negro, lamentavelmente, muitas vezes, o preconceito racial se inicia dentro da nossa própria casa, dentro do nosso próprio país, principalmente por aqueles indivíduos de maior poder aquisitivo. Muitos negros brasileiros que conquistam a mídia deveriam usá-la de modo a contribuir com a diminuição de qualquer forma de preconceito perante a sua raça, mas preferem compactuar com o feito ou mesmo ignorá-lo. O preconceito racial está diretamente ligado ao preconceito de classes. Alguém conhece alguma personalidade brasileira, de cor negra, de alto poder aquisitivo ou que esteja na televisão e nas páginas dos jornais casada com negro? Talvez exista, mas é raridade. Os famosíssimos jogadores de futebol, por exemplo, desfilam por aí exibindo sua parceira que geralmente não é negra. Claro que não devemos exigir que eles busquem para parceiras necessariamente mulheres negras, assim como tais, mas mais do que meramente coincidência essas manifestações parecem mesmo uma verdadeira prática do preconceito racial contra a sua própria raça, como se já não bastasse a manifestação do branco contra a cor negra.

Gilson Vasco
Escritor




quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Catolicismo e a perda de fiéis


De quem é a culpa?

 Nos últimos dias a imprensa goiana tem divulgado muitas matérias sobre o afastamento do padre Luiz Augusto. Duas vertentes têm sido polemizadas. Uma trata-se da falta de explicação por parte da Arquidiocese de Goiânia em relação ao motivo do afastamento do padre Luiz Augusto da Paróquia Sagrada Família e, posterior proibição de o padre exercer suas funções como celebrar missas, batizados e casamentos. A outra versa em torno da vontade do povo, isto é, comovidos, os fiéis alegam que seu direito de escolha para com aquele pároco não está sendo respeitado.

Creio que o padre não cometeu nenhuma infração que vai contra os costumes e regras sociais, pois caso tivesse cometido algo ilegal, os fiéis seriam os primeiros a retrucar contra o suposto feitor, afinal, não há termômetro mais lógico para julgar atos antissociais do que o próprio povo. Também estamos convencidos de que o Arcebispo de Goiânia, Dom Washington Cruz, personalidade que muito respeito, não só pela sua tolerância, prudência e competência, mas acima de tudo, por ser verdadeiramente um homem temente a Deus e imparcial para com o seu povo.

Indivíduos ligados a Igreja Católica confirmam que não é de agora a desavença entre o arcebispo e o pároco, e que em outros tempos já aconteceu algo semelhante chegando a afetar a comunidade católica local.

Não tenho dúvidas de que logo, logo essa situação será resolvida e tudo voltará a ser como antes na comunidade, pois o que deve prevalecer acima de tudo é a vontade dos fiéis. Não é esse o maior problema que denigre a imagem da Igreja Católica. Claro, não sejamos hipócritas, tubulações isoladas como essa também arranha a imagem da Igreja Católica e contribuem com o declínio do catolicismo, ao ponto de a Instituição perder inúmeros fiéis como vem acontecendo. Mas o que muito denigre a imagem da Igreja Católica, na atualidade, é realmente a falta de punição em relação aos padres que cometem abusos sexuais contra indefesos.

 A Instituição tem pecado muito nesse sentido, pois quando acontece um ato de pedofilia envolvendo um padre, a Igreja prefere transferir para outro lugar o acusado, a puni-lo.

Em todo o mundo, a Igreja Católica, a cada dia, perdem mais fiéis, os adeptos estão migrando para outros seguimentos religiosos, motivados por injustiças cometidas por dirigentes que estão à frente da Igreja.

Não basta a Igreja Católica somente curvar diante da humanidade e pedir perdão pelos escandalosos crimes sexuais envolvendo padres ou qualquer outro membro. É preciso fazer muito mais que isso. Para restabelecer sua credibilidade e reconquistar os fiéis a Igreja Católica precisa ir um pouco mais além do clamor teórico pela justiça, precisa praticá-la. E uma das melhores formas de fazer isso é punindo os criminosos da pedofilia que se dizem padres. Não queremos que os excomunguem como já fez com muitos inocentes em outros tempos ou que os queimem na fogueira do inferno, o pedido da sociedade para com esses é mais simples: apenas os expulsem da Instituição e os entreguem à justiça, pois se assim feito, a Instituição vai tirar das costas o peso da acusação de injusta. Deixa que a própria justiça carregue esse peso, caso não cumpra a sua função de julgar ou condenar. Já está passando da hora de a Igreja Católica se empenhar na tarefa de resgatar seus fiéis. 

 Gilson Vasco
Escritor


Educação, Arte e Cultura levadas a sério


 Recentemente saí de minha moradia em Goiânia e percorri mais de mil quilômetros de distância para atender a um convite, marcar presença na I Mostra de Arte e Cultura realizada por uma escola de Ensino Fundamental, chamada Carlos Drummond de Andrade, com o tema Amor à nossa Terra: Resgatando a Cultura wanderleense, que aconteceu no início da noite de 10 de novembro, na cidade de Wanderley, no oeste baiano, minha terra natal. Durante a realização do evento, por diversas vezes, senti um rio de lágrimas brotar dos meus olhos e transbordar, deixando meu rosto todo inundado de felicidades.

Com um alto grau fidedigno ao tema proposto, não precisou sequer uma hora para que os talentosos alunos da 5ª, 6ª, 7ª e 8ª séries do Ensino Fundamental, da Escola Carlos Drummond de Andrade fizessem o público presente, formado em sua maioria, pelos pais e outros convidados a se derreterem em lágrimas. Os discentes, orientados pelos docentes mostraram para a sociedade wanderleense um apanhado de toda a cultura do município.

Em forma de teatro, músicas, danças, declamações de poesias, indumentárias a caráter e manuseios de instrumentos musicais, os alunos, com toda a garra, apresentaram aos presentes o contexto histórico, social, cultural, religioso, geográfico, político e literário da cidade de Wanderley.

Além do município, o grande homenageado da noite fui eu que, apesar de não saber se sou merecedor de tantas considerações, fui lembrado durante quatro vezes na noite, pela turma da 7ª série: a primeira quando dois pré-adolescentes, um se passando por repórter e o outro interpretando a minha pessoa, falaram sobre minhas obras literárias, meus desejos, costumes e medos; a segunda, por uma aluna que contou de modo resumido a história contida no meu livro A fuga para o Bosque Enlevado; a terceira quando fui presenteado com exemplar de poesias feitas por eles; a quarta e também emocionante homenagem recebi quando todos os alunos vestidos camisetas com o desenho do meu mais novo livro, O mistério do Riacho Tijucuçu convidaram-me para que eu comparecesse ao palco e me colocasse ao lado deles. Outras pessoas também foram homenageadas pelos alunos da 7ª e de outras séries também.

Toda a sociedade wanderleense aprovou a iniciativa da escola e parabenizaram o corpo docente e o corpo discente da instituição dizendo que aquilo era um exemplo de educação, arte e cultura levadas a sério.

Tem razão a sociedade wanderleense. Uma educação levada a sério precisa agregar valores culturais e artísticos, pois somente é conhecedor de sua própria história aquele que tem suas raízes fincadas no chão. E para ter raízes fortes precisa situar-se no presente, olhar para o futuro sem esquecer o passado, suas origens, enfim, sua história.

Quando uma instituição educadora, além de cumprir sua função de educar, preocupa em resgatar os valores sociais e culturais, sabe exatamente como e para onde conduzir seus alunos. Não há resquício de dúvida, o caminho é o sucesso, uma vez que a educação não é somente para o mercado de trabalho, vai muito mais além, a educação é para a vida.
Claro que tudo isso não depende somente da escola, mas também do apoio da família do estudante e do próprio educando, pois não se pode atribuir toda a tarefa de educar a cargo e responsabilidade da escola.

O que pude perceber naqueles discentes é que eles não são meramente alunos, são na sua essência, alunos-estudantes e, por isso, são superiores ao tempo. O que eles apresentaram na I Mostra de Arte e Cultura, não foi simplesmente uma mostra de arte e cultura. Ao demonstrar a preocupação com o meio ambiente, interesse em defender a classe menos favorecida e cobrar agilidade das autoridades daquele município, eles foram ousados, riscaram o dedo no rosto de muitas autoridades que, engajadas na corrupção, ignoram a dor do próximo, foi um tapa na cara de certas autoridades parlamentares que não cumprem as suas funções para as quais foram eleitas.

O que muito chamou a minha atenção é que apesar de a escola ser particular e ser uma escola simples, está sempre aberta à sociedade. Uma escola que, diferentemente de muitas outras escolas particulares, não possuem recursos suficientes para a expansão física, mas carrega como principal função, a garantia de um ensino sério e de qualidade.

Quisera eu que todo o ensino wanderleense fosse assim e que o poder público respeitasse os artistas da terra como vem fazendo a Escola Carlos Drummond de Andrade. Digo isso de modo consciente, pois não há ninguém melhor para falar sobre o seu lar do que aqueles que precisaram ir buscar alternativas de sobrevivência fora do seu município, deixando para trás toda uma história de vida, por falta de apoio e de incentivo à Educação, Cultura, Lazer, Arte etc.

Gilson Vasco
Escritor





sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Outra visão sobre a Literatura Goiana


Durante todo o percurso da vida do indivíduo humano, infinitas são as experiências pelas quais ele passa. Ainda que fôssemos seres eternos, muitas coisas não chegariam a passar pela nossa minúscula cabecinha, já que possuímos certas limitações. Mesmo depois de nos constituirmos como sujeitos, continuamos adquirindo novas experiências e tentando sermos cada vez mais ousados. Daí, o nosso enorme poder de transformação. Não importa com que dom nascemos ou qual vocação vamos seguir, a criação é um poder versátil e ilimitado, um campo vasto a ser galopado constantemente e o que vem à frente, muitas vezes, parece misterioso demais aos olhos humanos. No campo da literatura, por exemplo, dia a dia, somos surpreendidos e agraciados com obras e autores tão inovadores capazes de nos prender à leitura na primeira linha do seu texto e nos conduzir a mundos nunca dantes imaginados, sem desgrudar os olhos ou desviar o pensamento daquela arte posta nas páginas.

A exemplo desse veículo que nos leva a mundos brilhantes temos também a Literatura Goiana, que nas suas primícias, no século XVIII, Bartolomeu Antônio Cordovil (pseudônimo de Antônio Lopes da Cruz), nos presenteou com o poema Ditirambo e depois com outros escritos; Luís Antônio da Silva e Sousa, colaborador do Meia-Ponte, Matutina Meyapontense; Luís Maria da Silva Pinto, com o Diccionário da Língua Brasileira; Florêncio Antônio da Fonseca Grostom; Joaquim Teotônio Segurado; Antunes da Frota e o marechal Raimundo José da Cunha Matos, também ficaram muito conhecidos pelas suas crônicas.

No século XIX, a Literatura Goiana começava a ser assediada pelo Romantismo que estava em alta nas poesias europeias e nas de outros cantos do Brasil. Na segunda metade do século XIX e início do século XX, Acrísio Gama, Antero Pinto, Félix de Bulhões, Joaquim Bonifácio de Siqueira, entre outros, destacaram-se principalmente pelas suas poesias reverenciando o cerrado e pelo amor à natureza.

Belíssimos escritores como Hugo de Carvalho Ramos, Pedro Gomes, Gercino Monteiro, Ribeiro da Silva e Derval de Castro marcam a prosa realista na Literatura Goiana.

Ainda no século XIX, com o advento do Parnasianismo e do Simbolismo no Brasil, a Literatura Goiana se expande ainda mais com livros de Érico Curado, Hugo de Carvalho Ramos, Vasco dos Reis, Vítor de Carvalho Ramos, Leo Lynce (Cyllenêo de Araújo) e José Lopes Rodrigues.
No início do século seguinte já começa a aparecer os primeiros contistas goianos como  Matias da Gama e Silva, Zeferino de Abreu, Cora Coralina, Gastão de Deus Vítor Rodrigues.

Ontem, livro de versos, de Leo Lynce abre a porta para o Modernismo em Goiás. Logo, vieram João Accióli, José Godoy Garcia, Bernardo Élis, José Décio Filho, Cora Coralina e Demóstenes Cristino.

Na tangente da prosa regionalista goiana são os textos de Bernardo Élis, de Regina Lacerda e de Antônio Geraldo Ramos Jubé que, a princípio, enaltece a Literatura Goiana, sendo Ermos e Gerais e O Tronco, ambos de autoria de Bernardo Élis, as obras mais importantes da prosa regionalista.
Tropas e Boiadas (1917), contos de Hugo de Carvalho Ramos; Ontem (1928), poesia de Leo Lynce; Veranico de Janeiro (1966), contos de Bernardo Élis; Pium, (1949) romance de Eli Brasiliense; Íntima Parábola (1960), poesia de Afonso Félix de Sousa; Jurubatuba (1972), romance de Carmo Bernardes; Via Viagem (1970), romance de Carlos Fernandes Magalhães; Alquimia dos Nós (1979), poesia de Yêda Schmaltz; Rio do Sono (1948), poesia de José Godoy Garcia; Nos Ombros do Cão (1991), romance de Miguel Jorge; A Raiz da Fala (1972), poesia de Gilberto Mendonça Teles; Joana e os Três Pecados (1983), contos de Maria Helena Chein; Aquele Mundo de Vasabarros (1982), romance de José J. Veiga; Poemas dos becos de Goiás e estórias mais (1965), poesia de Cora Coralina; Relações (1981), romance de Heleno Godoy e Elos da Mesma Corrente (1959), romance de Rosarita Fleury são apenas algumas obras-primas, pois se fôssemos citar toda a arte literária goiana, desde seu florescer aos dias atuais, o leitor teria que se programar para passar muito tempo lendo, ouvindo ou vendo o que Goiás guarda no seu baú literário que a cada dia é remontado com novas belezas criadas pela Literatura Goiana.

Parte da falta de expansão e amadurecimento da Literatura Goiana se deve ao fato do gosto pela arte de literar ter sido despertado tardiamente, em relação ao cenário nacional. Outro motivo foi causado pelo isolamento geográfico do Estado, mas claro que temos nomes de grande destaque no cenário Nacional como a saudosíssima Cora Coralina, Hugo de Carvalho Ramos, Bernardo Élis, José J. Veiga e Gilberto Mendonça Teles. 

Na atualidade, a Literatura que vem sendo desenvolvida em Goiás  também possui sua linha artistica. Admito que a Literatura Goiana é um campo mágico a ser explorado ainda, uma cartola à espera do mágico lhe enfiar a mão. Lógico, verdade seja dita, ainda não conseguiu se equiparar a outras literaturas feitas em outros Estados, como a Literatura Baiana, feita por Jorge Amado, Castro Alves, Dias Gomes etc., etc.,  mas está engatinhando e conquistando maior espaço.

Creio que a função que a Literatura Goiana vem cumprindo vai muito mais além do que simplesmente fazer graça. Aliás, entre outras funções da Literatura Goiana, graça é o que não lhe falta. Está perdendo uma grande chance de se maravilhar com belas risadas quem ainda não leu Causos, de Humberto Milhomem, Mexidos e Remexidos, de Lêda Selma ou quem ainda não se deliciou com As netas do Barão, romance de época de Sandra Rosa. Todas elas são obras-primas que, como outras que ainda teremos a oportunidade de ler, estão inseridas na quarta Coleção Goiania em Prosa e Verso lançada recentemente pela Prefeitura de Goiânia, por meio da Secretaria Municipal de Cultura.

Muitos leitores quando vêem Humberto Milhomem, Heleno Godoy, Miguel Jorge, Eurico Barbosa, Sandra Rosa, Lêda Selma, Aidenor Aires, Leidianne Alves, Cida Almeida, Márcia De Conti e tantos outros autores goianos fazendo parte de uma coleção como essa, colocam em cheque, ao ponto de fazer cair por terra qualquer comentário avesso à função que cumpre esse projeto tão ousado de realizar o maior lançamento de livros já visto antes. Certificam de que a história da Literatura Goiana realmente precisa continuar, de modo que na próxima edição da coleção o número seja bem maior.

Assim como a Literatura Goiana vem se mostrando para o mundo, o Diário da Manhã também tem firmemente cumprido sua função jornalística e social: informando, abrindo espaço para todos e divulgando a nossa cultura goiana para o planeta.



Gilson Vasco
Escritor



Aumento do ano letivo


Garantia da permanência na escola?

A página 5, do caderno Opinião Pública, do Diário da Manhã de quinta-feira, 20 de outubro, presenteou nós leitores com a opinião de Rusembergue Barbosa, acerca do “Direito do aluno à permanência na escola”.  Segundo o autor da opinião, foi apresentado na “Câmara Municipal de Goiânia um projeto de lei que visa assegurar a permanência do aluno na escola”.

Concordo plenamente com o parlamentar quando entende que “colide com os postulados constitucionais básicos e, em especial, o direito à educação de qualidade e a proteção da infância e da juventude, os alunos serem encaminhados para suas casas, quando há a falta de professores”.

Muitos, assim como eu, não têm nenhum resquício de dúvida de que a intenção da apresentação do projeto tenha sido uma condição viável. Porém, muita coisa precisa ser ainda pensada para que o direito à permanência na escola seja realmente um direito garantido aos nossos alunos.

Lamentavelmente, muitos dos Direitos Sociais, como Educação, Saúde, Trabalho, Lazer, Segurança e outros, ditos assegurados pela Constituição Federal, muitas vezes, são negados aos cidadãos, motivados pela falta de planejamento, falta de interesse de lideres, descompromissados com o seu real papel perante a sociedade, pela má distribuição dos recursos arrecadados pela União ou mesmo evaporados via corrupção.

Eu também concordo piamente que “compete ao Estado desenvolver medidas efetivas para o cumprimento do dever de garantir a permanência de crianças e adolescentes na escola”, pois é somente através da Educação que se forma uma nação composta por cidadãos conscientes do seu papel social.

Receba a sincera gratidão deste humilde professor, nobre parlamentar, por demonstrar-se preocupado com essa causa, lendo a sua opinião, fez me recordar de uma frase que ouvi de um comentarista, certa vez: “Se cada cidadão brasileiro acompanhasse os fatos políticos, como atentam para os acontecimentos esportivos, a nossa política não teria se transformado nessa anarquia que vivemos hoje”.

Reconheço e respeito a sua ideia de criar mais um projeto de lei, o qual já foi apresentado à Câmara Municipal, porém não se sabe ao certo qual rumo a proposta vai tomar, a seguir. Afinal, não faz tanto tempo que outro parlamentar apresentou uma proposta em outra Casa (e foi aprovada, embora nunca fora cumprida), “obrigando” todas as Agências Bancárias a instalarem sanitários nos seus interiores e, ainda nesta semana, presenciei um senhor, a ponto de fazer suas necessidades fisiológicas (evacuativas) nas roupas, por está adentrado numa agência bancária da Capital, que assim como quase todas as outras parecem ignorar a Lei, talvez por não sofrer nenhum tipo de penalidade.

De nada adiantará o “aumento do ano letivo das escolas”, tampouco a garantia da “permanência do aluno” nela se o direito à educação não for cumprido como manda a Constituição Federal. Não creio que seja plausível a criação de mais emendas, projetos, propostas de Leis se essas tomarem rumos incertos (espero não ser o caso dessa apresentada à Câmara Municipal). Benéfico seria o cumprimento dessas já existentes, antes da elaboração de novas.

Na teoria, a Constituição Federal garante o acesso gratuito e obrigatório à Educação de qualidade, mas o que vemos na prática, em parte, é uma realidade estarrecedora.

Na tangente do direito do acesso gratuito e obrigatório à Educação de boa qualidade, muitas vezes, o Estado é omisso, uma vez que para uma boa formação educacional, Educação e Cultura devem está atrelados um ao outro. Isto, de fato não está acontecendo, pois muitas são as barreiras enfrentadas pelos alunos de sua casa à tentativa da aquisição diária da Educação. Eis algumas: a falta de uma política que assegura o aluno frequentar a unidade escolar mais próxima do seu recinto, evitando os transtornos vividos por ele durante o percurso; a não existência de um transporte gratuito e de qualidade; ausência de dinamismo no processo de aquisição da Educação, isto é, o aluno não tem um incentivo para frequentar outros centros culturais como teatro, cinema, enfim, as diversas manifestações culturais, as quais contribuem para uma melhor formação educacional; a falta de incentivo ao mestre-educador, formador de todas as outras profissões existentes. Este devia, no mínimo, ser bem-instruído, bem-preparado e bem-remunerado.

Não me resta dúvida, é preciso repensar o modelo de Educação que queremos oferecer para nossos alunos. Essa tarefa não compete somente ao Estado, é necessário que a família não deixe a cargo do mestre, a parte que lhe é cabível. Digo isso porque o que temos presenciado nos últimos tempos são pais e responsáveis atribuindo ao professor a tarefa que devia ser aplicada ao aprendiz em casa. Claro que a escola também deve participar dessa formação, mas isso será mais proveitoso se feito com a participação da família.

Contudo, não é somente “a permanência do aluno na escola” que ditará os rumos para uma melhor formação da criança e do adolescente. Finalmente, “a permanência do aluno na escola” a princípio, poderá ser garantida não com o aumento da carga horária, sacrificando mestres e aprendizes, mas priorizando uma Educação de qualidade, aumentando o quadro de funcionários inquestionavelmente capacitados para exercer tal tarefa e melhorando a estrutura física e didática escolar. Verdade que isso não depende de um único parlamentar. É preciso engajar toda a sociedade para essa conquista.


Gilson Vasco
Escritor




sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Leis: para onde vai o transporte coletivo goianiense?


Entre outros direitos assegurados pela Constituição Federal, Leis Estaduais, Leis Municipais e Estatutos, os deficientes físicos, idosos, gestantes e adultos acompanhados de crianças de colo têm preferência garantida nos assentos dos ônibus que integram todas as linhas que operam no transporte coletivo de Goiânia. Como demonstração de respeito e garantia ao direito os veículos são dotados de cadeiras reservadas com distintivos próprios ou convencionais. Certo? Errado!

Respeitoso seria se as Leis, meramente postas no papel, passassem à prática, mas o que vemos no dia a dia é totalmente ao contrário daquilo que deveria acontecer realmente. Ao que nos parece, grande parte dos nossos líderes estão mais preocupados em nos mostrar que temos Leis a fazer com que elas depois de promulgadas sejam executadas, cumpridas. Não obstante, equívocos já são cometidos no ato da sua elaboração. Ora, reservar um percentual de assentos, geralmente de cor vermelha ou amarela, sempre diferente da cor das demais poltronas, indicando que aqueles assentos estão reservados às determinadas classes, não seria o mesmo que isentar os usuários dos demais assentos da obrigação de se retirar dali e ceder aquele lugar para um idoso que, por ventura, não mais encontrou um desses espaços reservados vazios, ou independentemente da situação? Categoricamente sim.

Não culpemos somente aqueles que não estão preocupados com o devido cumprimento das Leis, embora isso também seja uma falta de respeito com os portadores de necessidades especiais. Não necessita ser um assíduo usuário do transporte coletivo goianiense para testemunhar a grande falta de respeito por parte da massa goianiense para com os nossos idosos, gestantes e demais usuários especiais. Basta se aventurar uma única vez numa dessas viagens coletivas para presenciar a rotineira falta de humanismo dos usuários para com seus semelhantes. Desde a ignorância de ocupar os locais reservados, mesmo com a presença de seus legítimos usuários ao lado, em pé, cansados; a incultura de preferir simular um sono, a ceder o local a alguém mais necessitado do assento, naquele momento; os ecoantes gritos e conversas desnecessárias, mais para piadinhas de seres demonstrativamente incultos, os hits enjoativos de celulares e de micro-caixas acústicas, porém com sons altíssimos, sem sequer fazer uso do fone de ouvido, como quem alugasse os ouvidos dos demais passageiros; o esfrega-esfrega, às vezes, obrigatórios (já que os veículos do transporte coletivo goianiense se assemelham a latas de sardinhas, onde pouco pode movimentar-se), outrora intencional dos usuários (o chamado tirar uma casquinha); a caoticidade do trânsito e outros contribuintes para o aumento do stress da massa trabalhadora, estudantil e de todos aqueles que são obrigados a se servirem desse meio de transporte animalesco.

A conclusão que se tira de tudo isso é que ambas as partes demonstram um alto grau de incompetência, incultura e desrespeito. Quem faz as Leis, simplesmente as fazem; aquele que devia zelar pelo cumprimento legal finge não vê o caos; o empresário está mais preocupado em faturar a doar e, finalmente, a massa usuária ignora o senso de humildade e cavalheirismo. O resultado é a continuação doentia de uma sociedade que, a passos retrógrados, caminha para lugar nenhum em busca do nada. Nessa nave do descaso, o coitado da tripulação é o portador de necessidades especiais que além de ficar tímido na hora de poder fazer valer seus direitos, acaba sendo alvo de chacotas de marmanjos que estão sempre prontos para tirar uma com a cara do ser especial, como expressões do tipo: “Você já sentou demais, agora é minha vez.”; “Enche a barriga e agora quer ter preferência.”; “Quem disse que eu tenho culpa de você ter nascido assim?”.

A que ponto chegamos, hein?! Para onde vamos?!

  
Gilson Vasco 
escritor

O cego e o burro



Era quase seis da manhã quando o urro ecoante do jumento despertou-me do sono. Não era a primeira vez, tampouco seria a última. Depois que passei a morar naquele novo recinto, o burro da chácara do vizinho virara o meu despertador.

Ainda muito sonolento alcancei a parada do ônibus. Menos de uma hora depois eu já estava no centro da cidade. Confundia-se com um formigueiro. Eu nada mais era que uma simples formiguinha prestes a atravessar a larga avenida. Logo, o farol abriu permitindo a minha passagem e de mais um turbilhão de pessoas.

— Por que ele não veio? — perguntei para mim mesmo, olhando para trás.

A ponta da bengala tocava no asfalto de modo repetitivo. Voltei, agarrei em seu braço e começa­mos a atravessar a pista pela faixa de pedestre, es­premidos pelos mais apressados.

— Eu sempre falo que o mundo ainda não está perdido?

— Quem? — perguntei.

— Como assim, quem? — olhou para mim e franziu a testa.

— Aproximei minha boca do ouvido esquerdo dele e repeti:

— Quem não está perdido?

— Não estou entendendo... — disse.

Aproximei ainda mais e gritei:

— Perguntei quem o senhor disse que ainda não está perdido.

— Continuo não lhe entendendo. O que está querendo fazer?

— Fazer? — retruquei em tom gritante.

Para não ter dúvida da compreensão, abracei-o calorosamente e perguntei ainda mais alto:

— Fazer?

— Respeite o meu estado! — ordenou num tom agressivo.

— Calma — pedi, compassadamente.

Segurei-o, ainda mais forte, temendo que sua fragilidade o derrubasse em meio à faixa de pedes­tre. Preguei meus lábios na orelha dele e gritei mudando de assunto:

— Deve ser o barulho?

— Creio que sim? — concordou.

Quando o semáforo ameaçava a abrir estávamos quase finalizando a travessia e por questão de segurança avisei-o:

— O barulhão, o senhor não vai poder ouvir, mas preste atenção no sinal. Logo, logo vai abrir.

Nada respondeu-me. Apenas ameaçou acelerar o passo.

— Ainda temos um tempinho — acalmei-o.

Ao atingir a calçada do outro lado da avenida, de supetão ele se soltou de mim e ia se afastando. Cheio de dúvida, olhou em minha cara e perguntou.

— Há quanto tempo foi atingido?

— Atingido? — interroguei-o, sem nada entender.

— Pela surdez — disse naturalmente.

— Surdez? — gritei para ter certeza de que ele me ouviria e continuei:

— Não, meu senhor, eu não sou acometido de surdez.

— Não? — conferiu.

— Não — reafirmei, aproximando ainda mais dos ouvidos dele.

— Escuta-me, por favor... Então por que tem mania de esfregar no outro, perguntar tudo e falar tão alto? — questionou-me.

Não pude segurar a gargalhada, por mais que tentasse. Encostei ainda mais nele, levei minhas mãos junto à boca para direcionar o som aos ouvidos do velho e quase gritando respondi:

— Para o senhor ouvir melhor, ora!

— Eu? Ouvir melhor? — zombou.

— Não é tão surdo? — perguntei com a voz alta.

— Surdo? O moço está enganado. Minha deficiência é visual! Por que acha que demorei tanto para começar a atravessar a faixa? — explicou, à medida que se afastava de mim tocando sua bengala nas pernas dos transeuntes.

Somente depois que passei por burro compreendi que ele era cego e que de surdo o velho não tinha nada.

Gilson Vasco